SERÁ POSSÍVEL A VOLTA ÀS AULAS EM 2020?
O debate sobre a volta às escolas envolve preocupações e
interesses variados em todo o mundo e questões ainda mais complexas num lugar
marcado pela desigualdade como o Brasil. Países que já começaram a reabertura
escolar têm observado efeitos diferentes na circulação do vírus. Ainda não há
uma resposta fácil para a situação que, em agosto de 2020, ainda afeta cerca de
um bilhão de estudantes, em mais de 100 países, segundo as Nações Unidas.
Um total de 47,8 milhões de estudantes estavam matriculados
na educação básica no Brasil em 2019, segundo o Censo Escolar. Desse total, 81%
estudam na rede pública.
O principal argumento levantado pelos defensores da volta das
escolas é que a paralisação prolongada pode impactar de forma irreparável o
desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. O secretário-geral da ONU
(Organização das Nações Unidas), António Guterres, chamou a suspensão das aulas
de uma “catástrofe geracional” capaz de minar “décadas de progresso” e
exacerbar as desigualdades sociais.
Ele defendeu em 4 de agosto que o retorno às atividades
escolares seja “prioridade máxima”, mas ressaltou que isso deve ocorrer onde a
pandemia estiver controlada, o que não é o caso do Brasil. No dia seguinte, a
OMS (Organização Mundial de Saúde) afirmou que reabrir as escolas num contexto
de ampla transmissão pode piorar o problema.
Alguns estados brasileiros já começaram a permitir a
retomada de aulas na rede privada, enquanto as escolas públicas seguem
majoritariamente fechadas desde março. No estado de São Paulo, que concentra os
casos e mortes por covid-19 no país, o governador João Doria anunciou que
atividades presenciais de reforço e acolhimento poderão ser retomadas em 8 de
setembro, mas a volta às aulas foi adiada para 7 de outubro. Independentemente
da decisão, algumas cidades, como as do ABC Paulista, já descartaram reabrir as
escolas municipais em 2020.
‘NÃO TEM NEM PAPEL HIGIÊNICO NA ESCOLA, IMAGINE ÁLCOOL EM
GEL’
Adrielle Nathalia dos Santos Ribeiro aluna do terceiro ano
do ensino médio da Escola Estadual Professor Sebastião de Oliveira Gusmão, em
São Paulo
Minha mãe e minha irmã trabalham, e tenho que ficar com o
meu irmão. É casa para limpar, comida para fazer, e à noite, quando estou
esgotada, não consigo estudar. Recebi duas apostilas da escola. No Facebook,
criaram um grupo com os alunos. Também me passaram um site com as matérias e as
explicações, e tenho os professores nas redes sociais. Consegui fazer alguns
trabalhos, mas é muito complicado.
Por mais que eu queira muito que as aulas voltem, acho que
não é a prioridade agora, porque tem muita gente morrendo. A escola em si não
tem estrutura para garantir a higiene dos alunos. No nosso dia a dia, uma coisa
tão simples quanto papel higiênico não tem no banheiro. Imagine álcool em gel e
máscara. É muita gente que estuda lá, principalmente à noite. Se voltar as
aulas, não vou.
‘VOLTA TRARIA ESTRESSE IMENSO DE TENTAR CONTROLAR O
INCONTROLÁVEL’
Rebeca Castiglione, professora na Escola Municipal de
Educação Infantil Armando de Arruda Pereira, em São Paulo, e mãe de uma aluna
de dois anos da rede pública.
Voltar às aulas agora deixaria todo mundo num nível de
estresse imenso de tentar controlar uma coisa que é incontrolável. Nossa escola
é muito privilegiada, pois tem uma área externa imensa. Nesse sentido, seria
mais fácil estar ao ar livre mais tempo. Por outro lado, são crianças menores,
são muito corporais, a mão está sempre em todo o canto. Como conseguir manter
as máscaras nas crianças e se comunicar desse jeito com elas, sem que elas
fiquem incomodadas? Como fazer na hora da refeição? Na nossa escola, que tem
mais de 300 alunos, a maioria das famílias têm muita clareza de que o momento
não é seguro para voltar e não quer voltar.
O momento que o mundo está passando também ensina muitas
coisas, e as crianças seguem se desenvolvendo. Não é que elas estejam perdendo
tudo. Mas a gente sabe que estar na escola é um espaço privilegiado de
aprender, de estar junto. Tem perdas, sem dúvida, mas qual é a nossa opção? A
gente está falando de redução de danos. Neste momento, se a outra opção é
colocar em risco a vida das crianças ou das pessoas que cuidam delas, é o que a
gente tem que fazer: ficar em quarentena para que esse tempo passe o mais breve
possível.
‘NÃO BASTAM SÓ PROTOCOLOS SANITÁRIOS, TEM QUE TER PROTOCOLO
PSICOLÓGICO’
Celso Napolitano presidente da Federação dos Professores do
Estado de São Paulo, entidade que representa profissionais da rede privada de
ensino.
Em que condições vamos voltar com 30% dos alunos só? E o que
fazer com os outros 70%? Um argumento para justificar a volta às aulas é que os
pais precisam trabalhar. Mas se as crianças vão voltar uma ou duas vezes por
semana, como é que o pai vai fazer nos outros dias? Há que se discutir também
de que forma esses alunos voltarão. Não bastam só protocolos sanitários, tem
que ter outros tipos de protocolo psicológico e até fonoaudiológico. Como é que
um professor vai trabalhar quatro horas de máscara? Como fica a questão do
transporte público? Como essa pessoa vai se transportar até a escola?
FONTE: NEXO JORNAL
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