DIA NACIONAL DAS TRADIÇÕES DAS RAÍZES DE MATRIZES AFRICANAS E NAÇÕES DO CANDOMBLÉ
O recém-criado Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé (Lei nº 14.519, de 5 de janeiro de 2023), celebrado neste 21 de março, é resultado de uma luta histórica dos povos de terreiro contra a intolerância religiosa. A data coincide com o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, mostrando que o racismo e o preconceito contra as expressões de fé de matriz africana caminham juntos.
Durante o período colonial no Brasil, as crenças e os cultos às divindades africanas foram perseguidos e proibidos. Os colonizadores consideravam essas práticas religiosas como inferiores e primitivas, e tentaram impor a religião cristã como única forma de culto. A prática do candomblé e de outras religiões afro-brasileiras era criminalizada e, muitas vezes, os praticantes eram punidos com prisão, tortura e até mesmo a morte.
A repressão continuou mesmo após a abolição. A primeira constituição brasileira, em 1824, estabelecia o catolicismo como religião oficial e permitia que outras religiões fossem confessadas apenas em ambientes domésticos e particulares. A restrição se estendeu até a Constituição de 1891, que instituiu a separação entre Igreja e Estado no país, mas na prática as manifestações religiosas fora do âmbito do catolicismo seguiam sendo alvo de repressão e violência.
Nessa trajetória, diversas lideranças se destacaram. Mãe Menininha do Gantois, por exemplo, desenvolveu uma estratégia de resistência pacífica e baseada no diálogo, a partir da aproximação com autoridades, como o presidente Getúlio Vargas, artistas e intelectuais. A partir dessa rede de relações, a Yalorixá articulou a revogação, em 1958, da Lei de Jogos e Costumes, que impunha restrições às cerimônias religiosas afro-brasileiras.
O escritor Jorge Amado, por sua vez, também deu uma contribuição fundamental nessa seara. Durante seu mandato de deputado federal, foi autor da emenda constitucional, em 1946, que garantiu a liberdade de culto no país, uma iniciativa que teve um impacto significativo na proteção dos direitos religiosos de grupos minorizados.
Já Mãe Stella de Oxóssi foi uma das principais vozes pelo fim do sincretismo religioso. Em 1983, ela participou da Conferência Mundial dos Orixás, em Salvador, onde argumentou que a prática de misturar elementos de diferentes religiões, era uma forma de opressão e negação da identidade cultural afro-brasileira. Ela defendeu que o candomblé deveria ser reconhecido como uma religião autônoma e respeitado como tal.
Em 2007, o presidente Lula sancionou a lei que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, outro marco importante no esteio desta luta pelo respeito à expressão da religiosidade de matriz africana.
Mais recentemente, a mobilização para combater a discriminação e promover a diversidade religiosa no Brasil ganhou mais um reforço. A lei que equiparou a injúria racial ao crime de racismo, sancionada pelo presidente Lula, também ampliou as penas para os atos de intolerância religiosa, que agora variam de dois a cinco anos de reclusão.
Na Bahia, estamos investindo em campanhas de conscientização, ações legais contra a discriminação e a promoção do diálogo inter-religioso. O Centro de Referência Nelson Mandela, vinculado à Secretaria da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais, registrou 32 denúncias de intolerância religiosa desde 2022, quase todas referentes às religiões de matriz africana. Os dados reforçam que o desafio do respeito às tradições religiosas de matriz africana – elementos fundamentais da identidade e história do nosso país – deve permanecer no centro do debate público.
FONTE: Bahia Notícias
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